Mas, naquele ano, o Inverno chegou muito cedo (ou foi o Verão que se foi embora muito depressa, dependendo da orientação climatérica de cada um) e os campos rapidamente deixaram de produzir. A pobre cigarra achou-se vitima dos caprichos das alterações meteorológicas. Andou saltitando pelos campos em busca de sustento de qualquer espécie. Ter-se-ia contentado com uma migalha, uma casquita, um semente ressequida, mas nada encontrou que fosse comestível. Até que vislumbrou a formiga, que, com toda a energia, arrastava atrás de si uma bela palha de trigo. A fome da cigarra levou a melhor sobre o seu orgulho e ela avançou, com a ideia de pedir à formiga que com ela repartisse um bocadinho do seu imenso pecúlio alimentar. Só que a formiga, mal avistou a cigarra, desatou a gritar. «AAAAHHHHHHHHH!!! O que é que tu queres? Que estás aqui a fazer? Vinhas roubar a minha palha, não vinhas? Eu sei que tu andavas à espera do dia em que me havias de roubar tudo o que tenho! Eu conheço bem a tua laia!» A cigarra bem tentou interrompê-la, mas a formiga prosseguiu: «Não me digas nada! Não me venhas com falinhas mansas e promessas vãs! Para ter o…
A árvore genealógica O rapazinho (o futuro Grande Maggid de Mezeritch) não tinha mais de cinco anos quando a casa paterna foi incendiada. Ao escutar os gritos e as lamentações de sua mãe, ele disse-lhe: – Porque choras tanto, mãe, por uma casa destruida? – Oh! Não é pela casa destruida que me sinto desolada – responde a mãe -, mas só porque perdemos a nossa árvore genealógica no meio do fogo. Uma árvore genealógica que remontava a Yohanan, que era o fabricante de sandálias e um dos mestres do Talmude! O rapaz olhou para ela e disse: – A árvore genealógica! Mas o que é isso, mãe? Eu vou fazer uma nova, que começará comigo! Este conto da tradição hassídica é um dos muitos que Jean-Louis Maunoury junto sob o titulo O Riso do Sonâmbulo. São mais três centenas de páginas, e não serão por certo muito menos os contos, numa obra fenomenal, com a qual se perdem facilmente algumas horas de bom entretendimento, com muito em que pensar pelo meio.
Passadas duas semanas era ela: «Querido, sou eu. Deixei ficar o carregador no norte e tenho tido imenso que fazer. Não estás zangado com o bebé, pois não?» Eu não consegui dizer nada, não tinha nada para dizer, doía-me demasiado. E ela continuou. «Está tudo aqui a falar ao mesmo tempo. Posso falar mais tarde? Então até já, amor.» Nunca mais falou. Era assim que em 1999 Pedro Paixão terminava um dos seus contos. Não sei porque é um escritor que gosto de ler, para perceber como escrevo bem. É que apesar de tudo, normalmente as pessoas conseguem perceber o que escrevo. Este gajo é professor catedrático, mas 90% das vezes eu ficaria horas a tentar perceber o que ele quer dizer, e onde quer chegar com as porras que escreve. E ó despois os fins são sempre assim. O gajo deve ter um problema qualquer com mulheres. Parece que todas o abandonam. O livro tem o mesmo nome do conto, Amor Portátil, e foi editado em 1999 pela Editora Cotovia.