Escreve à páginas tantas, Luigi Pirandello:
Loucuras, forçosamente
No entanto, quero falar-lhes primeiro, sucintamente, das loucuras que comecei a fazer para descobrir todos os Moscarda que vivem nos meus conhecidos mais chegados e destruí-los um a um.
Loucuras, forçosamente. Porque, como nunca tinha pensado em construir um Moscarda que consistisse, a meus olhos e por minha conta, numa maneira de ser que me parecesse distinguir-se como própria e específica de mim, compreende-se que não me era possível agir com uma qualquer coêrencia lógica. De tempos a tempos, tinha de me revelar o oposto daquele que eu era ou supunha ser para um outro dos meus conhecidos, depois de me ter esforçado por compreender a realidade que me tinham dado: uma realidade mesquinha, necessariamente, volúvel e quase inconsistente.
No entanto, algum aspecto, algum sentido e algum valor devia ter para os outros, não só pelas minhas feições, fora da minha vista e da minha apreciação, mas também por muitas coisas em que até então nunca pensara.
Pensar e sentir um ímpeto de feroz rebelião foi obra de um momento.
Assim começa o capítulo 3 deste livro, em que Moscarda, o personagem-narrador desta aventura do autor italiano vai sucessivamente deconstruindo as imagens que os seus conhecidos têm de si.
Um deconstrução tão completa que acaba verdadeiramente Louco, como o Louco das cartas do Tarot, ou nas próprias palavras do narrador:
A cidade está longe. Por vezes, na calma do anoitecer, chega até mim o som dos sinos. Mas agora já não os ouço dentro de mim; ouço-os lá fora, a tocar por si, que talvez estremeçam de alegria na sua concavidade retunbante num belo céu azul cheio de sol quente por entre o estridular das andorianhas ou ao vento triste. Pensar na morte, rezar. Que ainda existe quem tenha esta necessidade e disso se tornam vozes os sinos. Eu já não tenho esse necessidade, porque morro a cada instante e renasço, novo e sem memória: vivo e inteiro, já não em mim, mas em cada coisa lá fora.
Um livro fenomenal.
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